terça-feira, 8 de maio de 2007

Audição

Eu não poderia ter cometido maior traição: roubei a manicure de minha mulher.

A manicure já era ocupada e tratei de me antecipar. O horário que restava era o do almoço. A esposa ficou inconsolável, mas deve ter pensado "melhor trocar de manicure do que de marido".

Ao fazer as unhas, eu me coloquei no lugar de minha esposa. Por que ela deixava tão radiosa o salão? Por que sua alegria era leveza ao visitar o carrinho de esmaltes, acetonas e algodão? O que eu me esforçava para fazer e a manicure resolvia sem sofrer? Não estou me referindo à beleza, mas à verdade.

Minha mulher chegava em nossa casa confiante, disposta, num estado semelhante ao meu quando voltava do estádio em vitória do time ou de um jogo triunfante com os amigos. O que passava lá?

Meses sucessivos observando as mesinhas com ardor indiscreto, levantando conversas absurdas, descobri a resposta: a manicure sabia ouvir. Ouvir com atenção. Ouvir com delicadeza. Ouvir frente a frente, ouvir com os olhos postos na boca. Não ouvir com os ouvidos, e sim com todo o corpo. Não ouvir correndo como eu, do quarto à sala, como quem já está pensando em outra urgência. Ouvir parado, com os pés mergulhados nos olhos. Não ouvir como eu, mudando de assunto como quem cumpre um inventário rápido do dia para se ver livre da preocupação.

Ouvia com disposição. Como se estivesse dentro de uma igreja ou de uma sinagoga. Ouvia baixinho, com a atenção cúmplice, como um pássaro diante de um miolo de pão, provando devagar e virando a migalha para o lado mais seco.

Como podemos compreender nossa mulher sem ouvir? Sem ouvir o que não interessa, justamente para criar novos interesses?

Ao invés de ficar pensando o que ele deseja, deveria desejar junto.

Apesar da intimidade, necessitei aprender de sua manicure o mais importante: o quanto ela quer ouvir de mim que simplesmente estou ouvindo. Não pede uma declaração de amor, pede meu silêncio compreensivo. Um silêncio alegre da identificação. Um silêncio seresteiro, de musicar o convívio pelas janelas.

Fabricio Carpinejar

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