segunda-feira, 23 de abril de 2007

A vida pulsa

23 de março

Milena – Ele vai viajar por seis meses.
Judson – E você como está?
Milena –Insegura com a viagem.
Judson – Não. Eu perguntei como está a sua vida.


O Judson é um amigo com perguntas aterrorizante às vezes. E eu? A pergunta mais simples e que eu não tinha resposta, preferi mudar de assunto. Mas fiquei tentando responder para mim. E eu? Onde estou? O que sou eu sem ele?

21 de abril
O que sou eu sem ele? Continue sem conseguir responder a tal pergunta. Mas agora, ela não é pergunta, é obrigação. A vida continua e como disse um doce amigo “Há vida sem ele”. Então, está fácil. É só viver.

Sábado. Me perguntei “O que eu fazia aos sábados há três anos e meio?” Não lembrei. Antes tinha aulas, depois ia inglês, fazia algum trabalho da faculdade, saia com os amigos. Agora, estava no ócio. Acordei, mas não quis levantar. Para que levantar quando não há o que fazer? Mas era preciso que eu saísse da cama para a faxineira poder arrumar o quarto. Levantei. Pronto, agora era só viver. Li o jornal. Assisti ao jogo de vôlei. Fui tomar banho, longo, porque assim o sábado passaria mais rápido. Almoço. Televisão. Relógio, ainda tinha muito sábado pela frente e isso não era bom. Chuva. Granizo. Sair nem pensar. Dia triste, horas tristes. Mais televisão. Programa bobo, mas divertido. Droga, o que é engraçado faz lembrar do sorriso dele, que me sacudia para dizer que estava achando aquilo muito engraçado. Toca o telefone. “Olá, sou Eliana da NET”. Hmm, bem que eu preciso mesmo de banda larga. Estendo a conversa com a moça do telemarketing pela primeira vez da vida. Ó ócio, ó solidão.

Não vou ligar. Não vou ligar. Ligo, mas ninguém atende. Ele retorna. “É que eu
queria saber quanto você paga na banda larga com a TV a cabo, é que a concorrente me ligou com uma promoção e eu preciso decidir”. “Não sei, meu pai quem paga. E você está bem, o trabalho, o espanhol?” “Estou. É isso, então, obrigada”. “Então ta. Beijo”. Silêncio. Ninguém desliga o telefone. A voz dele estava boa, droga. Ele não foi ensaiar, nem trabalhar, isso faria o sábado dele mais vazio, logo mais falta de mim. Mas, ele não disse que sentiu minha falta no primeiro sábado sem mim, droga. Eu senti falta primeiro. Será que pior que sentir falta é mostrar que sentiu falta? Lógico que é. Sou uma otária, e das grandes. Desligo depois do silêncio.

Ligo para uma amiga. “E aí animada para nossa viagem?” “Muuuuito. E você como está?” “Triste” “Pq?” “Estou bem, mas terminei o namoro no domingo. Do mesmo jeito de antes, as mesmas palavras, tudo igual” “Ih, ele não presta mesmo. Eu tenho até dó dele” “Estou bem, mas sábado é um dia terrível” “O que vai fazer hoje?” “Nada, humpf” “Então, vamos no baile da minha escola de dança. É tãoo legal. Você vai adorar e hoje eu estou muito feliz”.

Sete doces amigos a quem dei a notícia: Drica, Portuga, Fabio, Carol, Judson, Marina e Toquinho. Doces amigos diminuem o peso de qualquer ausência. Não há dor, mas preciso deles para que me ensinem a viver a partir de agora. E para que eu possa responder a pergunta ao Judson. E eu? O que sou eu sem ele? O que eu gosto de fazer? Com que eu gosto de estar? Que lugares eu gosto de ir?

Eu, sem ele, gosto de dançar. Eu dancei muito no sábado. Do jeito que eu queria. Aprendi passes novos, lugar animado, pessoas com bom astral e tranqüilas. Nada de bêbados, ou cheiro de cigarro, ou pessoas estranhas te segurando pelo braço. (Parecia minhas festas da adolescência. Ah, as festas na casa da tia Stela, que saudade. As melhores e mais inesquecíveis da minha vida e da vida de toda a nossa turma).
Pronto, o sábado acabou. Vivi e dancei, e até que não doeu tanto.

Dia 22 de abril – Dia do descobrimento
Acordo tarde na casa da Toquinho. Café, Jornal, Televisão, Almoço, Almodóvar.

Penélope Cruz é Raimunda. Linda, como nunca. Seu marido bêbado tenta estuprar a filha, que o mata. A traição do marido, a fragilidade da menina, o asco. Depois, o corpo do marido ensangüentado na cozinha. Não há tempo para chorar. Ela limpa tudo. Enrola o corpo em um tapete. O telefone toca, a tia querida morreu. Mais um motivo para chorar, mas não há tempo. De repente, na porta, uma oportunidade de esconder o corpo do marido e depois de ganhar a vida dignamente, sustentando a filha adolescente. Não há tempo para chorar. Esconde o corpo e trabalha, trabalha, trabalha.
Descobre-se cantora, descobre-se cozinheira, descobre-se empreendedora, descobre-se forte, descobre segredos de anos, descobre cúmplices, descobre o colo da mãe, descobre o perdão, descobre sua história.
Na vida, não há tempo para chorar. Ela pulsa. É preciso descobrir a todo tempo. As descobertas podem ser trágicas ou saborosas.

O filme acaba. O Judson passa em casa para irmos ao teatro. “E aí, está feliz?” “Estou bem”. Estou pulsando, vivendo. Será fácil. Um pé, depois o outro, pronto estou caminhando, e para frente.

Ainda vou fazer grandes descobertas e responder ao Judson. “E eu? Eu estou muito feliz”.

2 comentários:

Francine Barbosa disse...

Você é uma das pessoas mais "vivas" que eu conheço.

bjos

P.S: virada cultural dia 05/05 e na véspera tem um show duns amigos da Carla no Saravejo, ótima banda.

Anônimo disse...

Um post lindo, cheio de vida, como a autora.

Você é demais da conta, mulher. O primeiro sábado é ruinzinho mesmo (e olha que o seu até que foi bom!), mas os próximos certamente serão melhores.

Sinto que vem coisa boa por aí.