quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Quero um amor bem cachorro

"No mesmo horário, todo dia, um labrador caramelo vem até o portão. E pára diante da cerca, quieto, o olhar fixo em mim, abanando o rabo. Ele já esteve aqui. Pela sua intimidade em aparecer. Não vem farejando, tateando. Não tropeça ou cheira os lixos, árvores e a grama. Não caminha por enganos e pistas. Chega direto e senta. Aguarda uma resposta. Não falo, não o chamo para perto, não ofereço comida e ele volta. Sua pausa é obcecada. Não esmola, não é um vira-lata perdido. Percebo que tampouco é faminto: atento e curioso com a minha reação. Uma chuva seca. Ele chove sua lã diante de mim.

Talvez esteja procurando a inquilino anterior da residência, mas não cansa de vir, sempre com mais tristeza em sua expressão. Tristeza altiva. Não precisa de mim, precisa daquele momento, daquela postura comovida, daquela excêntrica pontualidade.

É fiel a uma promessa. Sou sua promessa mesmo que não tenha sido eu a fazê-la. Ele me observa disposto a me entregar uma carta. Ou me levar até ela. Lambe as patas, a roer sua docilidade. Tem a melancolia de circo. A melancolia que apenas o circo conhece. A melancolia de um circo durante o dia, longe de suas apresentações e das ansiosas crianças.

O labrador demora dez minutos de oração e vigília, antes de sumir. O homem deveria ter metade de sua lealdade. E metade de seu silêncio, para ser completo.

Bater à casa quando o amor foi embora, não somente quando ele está dentro. Formar a casa diante da casa. Formar esperas".

Fabricio Carpinejar

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