domingo, 7 de setembro de 2008

Linha de Passe - A vida como ela é

Linha de Passe, novo filme do Walter Salles, fala da periferia de São Paulo (Cidade Líder-ZL). A história não trata de tragédias ou bang-bang, não tornam os pobres heróis, nem vítimas, nem bandidos. Não tem romantismo, nem acidez, não faz crítica social ou apela para emoções. Retrata o drama inerte que é o cotidiano de gente que tem poucas opções. Haja maestria para se falar do que é estático. Haja maestria para se falar do hoje e da maioria, aquela que não mata, nem morre, mas que “se salva”.

É um filme de bons personagens e ótimas interpretações para gente se ver na tela. A verossimilhança fica ainda melhor por ser interpretada por atores desconhecidos. Cleuza (intepretada pela atriz premiada em Cannes – Sandra Corveloni) é empregada doméstica, corintiana, grávida e mãe de quatro filhos que cria sozinha. O mais velho, Denis, é um motoboy (como não podia deixar de ser ao falar de SP), pouco ajuizado. Dinho é evangélico e luta para a não sair da linha. Dario (lembra do Josué de Central do Brasil? É ele) acaba de completar 18 anos e parece o fim da esperança para quem sonha em ser jogador de futebol. O caçula, Reginaldo, é negro, esperto e sonha em conhecer o pai: um motorista de ônibus. Todos, apresentados com equilíbrio, lutam para se salvar a sua maneira.

Os personagens dão vida às estatísticas – mãe solteira, evangélicos, motoboys e jovens que querem ser jogadores de futebol – mas não caem em clichês. Cleusa poderia cair fácil no heroísmo, mas é uma guerreira cheia de defeitos. Apesar de carinhosa e batalhadora, dá surra no filho, é por vezes desatenta, bebe e fuma, fala coisas pesadas como “Deus vai me dar uma menina bem boazinha pra me salvar de vocês”, e é questionada pelos meninos por não ter lhes dado pai.

A vida dessa família (solidária e com pequenos confrontos) é dura e cinza como São Paulo. Feliz escolha pela cidade. As favelas do Rio já foram apresentadas ao mundo em filmes severos de bang bang – bastante preto/branco. Salles decidiu retratar a periferia que conheço com meu olhar estrangeiro: a que joga bola na rua, que toma Tubaína, que passa muitas horas no ônibus, que gasta o domingo na bodega ou igreja, que vive em um jogo coletivo.

O filme é sútil e prima pelos detalhes ao invés de apoiar-se em narrações (como Cidade de Deus e Tropa de Elite) ou excesso de diálogos. Gosto muito da cena em que Cleusa vê a nova empregada usando o rodinho de limpar vidros que ela não tinha. Pra que dizer que está revoltada, que está sendo injustiçada? Está tudo ali dito diante de nossos olhos.

Nos minutos finais, o filme vai crescendo e ganhando tensão com cenas memoráveis, que não vale contar. E não tem um desfecho, afinal, o cotidiano é contínuo. E já que é ficção mesmo, posso imaginar o golaço de Darío, ou uma defesa espetacular do goleiro.

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