sábado, 14 de maio de 2011

A melhor lição de amor

Meu pai veio para se sentar a mesa conosco no domingo. Não é mais a primeira vez, mas é sempre especial. Nem tanto por estar perto, já que poderia estar comigo qualquer outro dia, mas por ver minha mãe, minha generosa guerreira, dando a maior lição de amor que poderia, de forma silenciosa.

A dona Bete é falante, expressa seu carinho com gestos largos, comidas caprichadas e palavras açucaradas em bom tom. Tem pitacos, lições e conselhos para tudo. Mas não se dá conta que a maior lição que me deu foi o perdão ao meu pai, foi aceitá-lo em nossa mesa, toda vez que prepara bolo de carne ou feijoada, os favoritos dele (alias, ele só come feijoada se ela fizer).

Eles se separaram há mais de 10 anos com feridas enormes nela. Achei que nunca cicatrizariam. Mas o tempo foi passando e a raiva diluiu. O que sobrou foi o que sempre existiu: o amor entre eles. Com uma separação em casa, eu deixei de sonhar com amores eternos de filmes e contos de fadas. Só que ao lado deles, passei a acreditar num outro tipo de amor para toda vida, de pessoas que não sabem viver sem o outro, mas não precisam dividir a mesma cama.

Perdoar é a maior prova de amor que alguém pode dar, pelo menos, é a mais dificil. E o perdão dela foi generoso com ele, com ela, e comigo. Eu não lembro ao certo quando foi isso, porque foi aos poucos, mas nos tornamos uma família feliz e harmoniosa. Talvez a mais feliz e harmoniosa que possa existir.

As portas foram se abrindo, e hoje, meu pai voltou a abrir a geladeira de casa sem cerimônia. Sua presença já virou tão rotineira que ele traz até o jornal aos domingos pra ler comigo, enquanto minha mãe cozinha. Anda pela casa reclamando da bagunça, roubando uma fruta, mexendo no controle da TV. Não é mais preciso palavras pra dizer que ele é bem-vindo. O silêncio, os resmungos, a bagunça confessa nossa intimidade. E nossa intimidade evidência que ali vive uma família feliz, sem mágoas, com todas as feridas já expostas e cicatrizadas.

Meu pai e minha mãe vivem hoje (cada um em uma casa) como vivem os casais que passaram dos 60 - como dois amigos resmungões, mas que não vivem longe um do outro. Ele leva ela para fazer um exame, ela marca médico para ele, se preocupam um com outro. Acho mesmo que se amam. Salvaram o que funcionava - a amizade, o carinho, o cuidado.

Parece coisa de religioso, mas acho que a salvação está no perdão. Não no de Deus - que eu não quero esperar pelo dele - mas no nosso - no coração limpo, que não tem lugar para amarguras.

5 comentários:

Francine Barbosa disse...

Que bonito. =)

bjos

Fábio disse...

Lindo demais. Mesmo.

Bel disse...

Chorei...

Anônimo disse...

Oi, Lena, nunca li nada tao lindo em tda minha vida. Sou sua fã desde que li o LenainLondon pela p-rimeira vez(ontem!) Seus textos sao viciantes!
bjokas

Rebeca disse...

Parabéns, Mi! Obrigada por compartilhar um lição tão valiosa e tão íntima! Parabéns para a Dona Bete!