terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Meia um

Eu apertei o botão do interfone e virei-me para o Gusttavo com um sorriso de quem estava prestes a aprontar alguma molecagem ou abrir uma grande caixa de presente debaixo da árvore de Natal. Não iria sair correndo como na infância, ao apertar a campainha da vizinha, mas estava ansiosa e eufórica para poder responder à porteira a derradeira frase:
- Eu sou a nova moradora do 61.

Nesse fim de semana, eu repetia essa frase para os vizinhos e funcionários do prédio que encontrava no caminho, dando um aperto de mão em forma de sanduíche e expondo todos os dentes. Deixava escorrer pela boca cada palavra "eu-sou-a-nova-moradora-do-meia-um". Parecia um poema, um grito de independência, como se eu empunhasse uma espada dissesse "nova moradora do 61!". Tinha vontade de gritar "moradora do 61!" e correr com os braços abertos simulando um pássaro ou avião. Me continha, porque quando não se é mais criança, pode pegar mal entre os vizinhos.

A sexta, o sábado e domingo foram explosões em série, para cada primeira coisa que acontecia ali - no apartamento 61, a minha casa. Taí, outra expressão que derrete na boca: mi-nha-ca-sa!!! Pela primeira vez vi a vista do 61 com calma e suspiros. Dá até para ver o Parque e a Paulista. Eu morei a vida toda no primeiro andar e me acostumei a não ter vista. Eu que não gosto nem do cheiro de cigarro, fiquei com uma inveja do Gusttavo que ia a janela com pretexto de fumar. Quase pedi um trago, para ficar só eu, o cigarro e a brisa de verão - pelos minutos alongados que dura a chama.

Pela primeira vez que atendi ao interfone (Ahh, olha só como é o barulhinho do interfone do 61). E ao receber um amigo, dizia toda serelepe: aceita um café?! Ele riu. "Você estava doida para poder servir café".

Pela primeira vez fui ao supermercado perto da mi-nha-ca-sa! E descubro que é 24h, e que as senhoras que frequentam são muito gentis e simpáticas (ou carentes) e arrumam qualquer desculpa para puxar papo. Acho que vou adorar essas senhorinhas, nessa nova fase em que eu também vou mo-rar-so-zi-nha!! E um pouquinho de solidão, nunca pareceu cair tão bem.

Pela primeira vez, começo uma reforma de apartamento e compro revistas de decoração. Pela primeira vez, recebo o encanador. Pela primeira vez, posso escolher as cores da parede que eu quiser, como se fosse escolher esmaltes. Pela primeira vez, acordei, tomei banho, fiz café, pus a mesa e lavei louça - no Meu quarto, no Meu banheiro, na Minha cozinha. Pela primeira vez, tenho meu canto. Vou ficar sozinha, receber amigos, dar festas (para poucos, já que o 61 é muito pequeno e aconchegante), dar pela casa toda - vou fazer o que eu quiser e o que não quiser.

Mesmo sem rádio, Mp3, ou coisa que o valha, no 61, ouvia-se Tom Jobim durante todo o fim de semana ensolarado e inesquecível. E escrever isso aqui, faz com que eu possa reviver sempre esse sentimento único.

Um comentário:

Bel disse...

Aeee que delícia saber que você sente tudo isso e, o melhor, entender direitinho estes sentimentos!!! PARABÉNSSSS!!!