terça-feira, 1 de agosto de 2006

Não acredite em milagres ou Cartilha contra corrupção

Gilberto Dimenstein escreveu na FSP de domingo uma receita de vacina contra sanguessugas e outros corruptos. Os ingredientes foram descobertos por empírismos da população de Ribeirão Bonito, cidade de 12 mil habitantes no interior de São Paulo.
Você pode achar que isso só dê certo em uma cidade tão pequena, pouco mais de 10% da população de bairros paulista como Capão Redondo ou Grajaú. Mas, poderiamos começar com o vereador que representa o nosso bairro.

O mais umportante é que Ribeirão Bonito não acreditou em milagres, não esperou o Salvador da Pátria e tampouco acreditou que votando em ciclano ou invés de fulano estariam livres da corrupção. A população de Ribeirão Bonito mostrou consciência de que o governante é nada mais que o seu funcionário, não teve preguiça, e soube que a cidade era o seu patrimônio. Olha só a história de Ribeirão Bonito, fiquei envergonhada de nunca tentar fazer algo parecido.

Uma vacina contra sanguessugas

Na experiência de Ribeirão Bonito desmonta-se a ilusão de que se vai conseguir combater a corrupção e o desperdício, generalizados, apostando em governantes com discursos salvacionistas ou na eficiência da polícia e do Judiciário. Investigações feitas por amostragem pela Controladoria Geral da União revelam irregularidades em 90% dos convênios da União com os municípios. É uma profusão de descalabros: superfaturamento de preços, benefícios a familiares de prefeitos, baixa qualidade dos produtos e serviços adquiridos, obras pagas e não entregues.

É preciso ser desinformado para imaginar que uns poucos indivíduos na Polícia Federal, tribunais de contas ou Ministério Público conseguirão dar conta desse serviço. Na maioria das vezes, o combate à corrupção resvala mais para o show, amplificado pelos meios de comunicação, do que para a montagem de mecanismos eficazes para evitar a roubalheira.

Moradores e ex-moradores (gratos pelo bom nível de educação que tiveram na cidade) criaram uma associação (Amarribo) para revitalizar Ribeirão Bonito, estimulando uma vocação econômica e preservando o patrimônio histórico. Os planos mudaram de rumo. Perceberam que o prefeito vinha dando sinais de enriquecimento incompatível com sua renda. Souberam que seu veículo era de um fornecedor de carne para as escolas. As merendeiras diziam, porém, que quase não havia carne na refeição dos alunos. Descobriu-se também que a prefeitura comprava a gasolina para abastecer a frota oficial numa cidade de Minas, bem longe dali. E por um preço mais caro do que a vendida no posto em frente à prefeitura. Resolveu-se focar sua ação, naquele momento, no desvio de recursos. A população não estava mobilizada nem interessada; o prefeito controlava quase toda a Câmara e a imprensa.

Como o grupo de combatentes era composto de professores, contadores, comunicadores e advogados, montou-se uma operação de guerra: 1) coletaram-se os indícios de desvio de dinheiro; 2) com base nessa coleta consistente, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário foram acionados; 3) furando a barreira da mídia local, divulgaram-se os fatos por meio de panfletos e convocaram-se audiências públicas; 4) diante das evidências e da pressão popular, os vereadores foram sensibilizados para criar uma comissão de investigação na Câmara.

O prefeito perdeu o cargo e acabou na cadeia. O mais importante é que se criaram mecanismos permanentes de fiscalização que já resultaram, por exemplo, na redução e melhor aplicação de gastos públicos - a Câmara passou a usar apenas 1,5% do orçamento municipal, sendo que a lei permite até 8%. Desse embate, surgiu uma cartilha para ensinar os cidadãos o passo a passo na prevenção e no combate à corrupção.

A fórmula de Ribeirão Bonito contra os sanguessugas não tem mágica. É composta por quatro ingredientes: 1) a qualificação educacional dos indivíduos; 2) a disposição de trabalhar em conjunto em cima de objetivos comuns; 3) sentir-se dono da coisa pública e fiscalizá-la permanentemente, o que exige uma noção de que cidadania é não só direitos mas deveres; 4) não esperar pelas autoridades para que sejam tomadas atitudes moralizadoras. Em qualquer comunidade que use essa receita, a corrupção provavelmente não acabará, mas será muito mais difícil roubar e ficar impune.

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