terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Quando cheguei por aqui

Juro, foi mais comovente do que ver o mar pela primeira vez. Minha chegada a esta cidade foi de bagunçar o coração, coisa de cinema.

“Cresce logo, menino, pra ir pra São Paulo “, era só o que eu ouvia desde pirralho. “Toma o remédio para crescer e ir pra São Paulo “. Chantagem materna infalível –só assim eu tomava aquela Emulsão de Scott, à base de óleo de fígado de bacalhau, argh!

Meus tios e primos, que já moravam por aqui, chegavam de férias cheios de histórias de grandezas paulistanas. O “tatuzão”, cavando para fazer o metrô, era a coisa que mais me impressionava. Eu sonhava com aquele bicho gigante. “Estou trabalhando debaixo da terra”, dizia um parente. “Lá é tão frio que chove até pedra de gelo”, assombrava outro.

Aquelas narrativas nos deixavam, matutos do Sítio das Cobras (Santana do Cariri) e Aratamas (Assaré), maravilhados. Será que um dia vamos conhecer essa terra? Será? Aquelas histórias, fábulas fantásticas, acabaram funcionando como um hormônio e tanto para o crescimento.

Quando o ônibus chegou à rodoviária, em janeiro de 1980, eu enxugava, com a manga da camisa, algumas rápidas lágrimas que escaparam pelas brechas da macheza semi-árida. Um alumbramento que me fazia enxergar um Sena onde havia apenas um acabrunhado Tietê. Eu já era um mal-diagramado rapagote, sim, feio mesmo, mais feio que arte moderna.

Peguei o metrô e sofri para achar a casa do meu tio Alberto, no Parque São Rafael, zona leste, ainda um descampado. Só a avenida Sapopemba era uma eternidade. “Ô Sãopaulão grande da peste!”, eu matutava. Dias depois, gastava o meu espanto de “novo baiano” na praça da Sé, no viaduto do Chá, na República, nos cines e teatros pornôs do Centrão; na rua Augusta esperava anoitecer e subia e descia só recolhendo imagens que seriam devidamente “escaneadas” na cama antes de pegar no sono.

Passeava sozinho por SP, exercendo a bela arte de chutar tampinhas –exercício assimilado dos vagabundos dos contos de João Antônio– e a leseira de abestalhar-me com as mulheres da cidade. Lindas, elegantes, estilosas… mas na delas. “Quase nenhuma te encara na rua, são econômicas do olhar”, refletia. “Só devem dar bola pra gente nas repartições, nas firmas… jamais nas ruas!”

Durante a temporada de um mês, só as generosas moças da Augusta, as “secretárias das calçadas” como dizia um sucesso brega da época, sorriram para mim. Coitado daquele rapaz, voltou para o Nordeste mais seco e necessitado do que retirante de quadro de Portinari.

No dia 1º de abril de 1990, depois de ter morado em Juazeiro (95 anos), Recife (469 anos) e Brasília (46), estava eu de volta, agora para ficar. Continuei achando as moças lindas. Agora já me sorriam nos corredores da firma. Mas foram necessários uns seis meses para que Maria Ligia, meu primeiro alumbramento da volta a SP, acreditasse na minha conversa de homem arriado de paixão. Que beleza! O Tietê voltou rapidinho à sua condição de Sena.

Para completar a euforia, descobri os sabiás da megalópole. Em pleno largo de Santa Cecília, acordava ouvindo esses danados. Ainda hoje me impressiona como tem sabiá nesta cidade. Tem mais sabiá aqui do que na mata atlântica inteira. Minha terra tem Palmeiras, São Paulo , Corinthians… onde canta o sabiá -como eu adorava recitar essa parodiazinha ridícula, meu prezado Gonçalves Dias.

Muitas Augustas, Angélicas e Consolações depois… Muitas bistecas e muitos engradados do Sujinho depois, vez por outra me pego ranzinza, reclamando e mal-dizendo a cidade. Como o mais autêntico dos paulistanos. Mas aí basta lembrar do que diz a minha mãe, aquela que me empurrava a Emulsão de Scott, para que o mau humor com a cidade de todos os povos se dissolva num segundo. Quando dona Maria do Socorro me ouve xingando essa terra, fala duro, com firmeza, num corretivo, como na infância: “Meu filho, fecha essa boca, você num sabe que São Paulo foi quem deu tudo que a nossa família tem?”. Sabedoria de mãe. Parabéns SP, e desculpa ai por qualquer coisa.

Xico Sá

Um comentário:

Alexandre Cobra disse...

neh?
xD

...Sem São Paulo, ô ô ô, o meu mundo é solidão...

365 rock! o/