terça-feira, 8 de maio de 2007

Vivendo a cidade

Nunca fui tão apaixonada pela cidade como naquela noite. Era grandiosa, linda, democratica, cosmopolita, aconchegante, iluminada. A Virada Cultural 2007 foi encantadora, exceto pelo enorme tumulto no show dos Racionais. Mas não tomem isso por regra. Foi apenas uma das centenas de atrações que envolveram a cidade naquelas 24h.

O Centro lotado, a lua linda, o clima gostoso. Jovens conversando sentados na grama, filas imensas para entrar no Municipal (que fica impressionantemente lindo a noite), a Pça da Republica revitalizada e com teatro e circo, pick-ups de eletrônicos, assaltos de poesia, acrobacia na fachada do Shopping Light, pintura, e fanfarras com zambumba pelos caminhos, palcos para todos os gostos: de rock a bolero - e tudo sem paredes e sem ingresso, livre e aberto a todos. Gente que mal conhecia sua própria cidade, estava vivendo ela, fervendo nela, curtindo ela. E gente que passa pelo Centro todo dia, passou a ver mais do que trabalho e correria e medo, passou a ver museus, teatros, dança, música.

Foi dificil escolher o que fazer com o guia na mão. Num momento entre um show e outro, fui ao palco da Vieira de Carvalho - o mais encantador do evento. Batizado como palco da nostalgia, havia uma pista de dança, iguais as de salão, quadriculada em preto e braco e com globo prateado e cadeiras ao redor para os mais idosos. Uma banda maravilhosa tocava músicas da época em que "o Pacaembu lotava de homens vestidos de terno para ver as finais de campeonatos" - como disse o apresentador do baile. Fofo! Ele é magrinho, elegante, com gravata, negro de cabelos brancos, dublava as músicas entre os shows e reverensiando as senhoras damas que passavam. E não eram só as damas que passam na Vieira. Os travesti estavam em seu habitat e se misturaram ao público bem diferente do habitual. (Como a Vieira é uma rua curiosa. Ainda guarda o luxo de uma época, com lojas de chapeus, hoteis com estrelas, docerias finas, restaurantes tradicionais e ao mesmo tempo a passarela mais efervencente da cidade, com calçadas intrasitáveis aos sábados, muitos neons e bandeiras de arco-íris)

Depois de tentar dançar bolero e gafieira (e já tinha ido ao show do Alceu - o q é um palco iluminado com a Catedral lindíssima atrás - IRADO), tomei sopinha e café na Holandesa fui pra Praça da Republica ver uma peça. Lotada. Não conseguia enxergar nada. Triste, mas muito contente de saber que a população continua sedenta por cultura e teatro. Então, do outro lado da praça (que agora tem lagos e ponte) um grupo informal de engraxates e ambulantes tocavam "Desconsidero - do Fundo de Quintal". Caí no samba também, e o meu parceirão Judson até tocou pandeiro. O CCBB ficou aberto direto, com exposições e promoção de 50% na livraria, e o melhor de tudo, era um oasis, com banheiro limpo, bebedouro, papel higienico, sabonete. Nossa, que luxo, em uma cidade onde os homens não sabem a diferença entre banheiros e calçadas. E na frente do CCBB tinha a terceira pick-up, mas essa mais calma. Pirando no eletrônico com clubbers, estudantes, mendigos, um amalgama da sociedade.

Chegando 0h, não tava a fim da multidão do Nação Zumbi, nem da fila de horas e horas pro João Bosco, nem tinha como atravessar a cidade para ver o Paulinho da Viola, então fui pro Clube do Balanço + Erasmo na São João. Uma graça! Agora, dava até pra dançar, porque a rua era estreita para shows de multidões, como o do Teatro Mágico em que fui arremessada. (aliás, eles não levaram 1/3 daqueles fãs fanaticos na Virada do ano passado. Fenômenos).

Depois, vi um espetáculo de tango, que nem em Buenos Aires deve haver tão lindo. Misturando um pouco com balé contemporraneo, cheio de intepretações. De arrepiar!! -Arrepiei um pouco passando num vucuvuco na Rua Direta - pick-up de psy (só sei pq me informam q é psy). Mas se em rave de R$1000 rola muita bala e confusão, porque nessa não haveria de haver alguma também, considerando a concentração de pessoas perto do DJ.

Aí pego o metrô - isso já são 3h da manhã e pego o metrô - que beleza ele aberto na madrugada -devia ser assim todo fim de semana. E vou até a Casas das Rosas. Praticamente, uma festa particular. Era como se um amigo milionário abrisse a mansão pra uma festinha. E das boas. Forró de Trio, na madrugada. Na antesala sofás e a galera esparramada. Banheiros limpos e cor de rosa, com banheira e tudo. E móveis do Haroldo de Campos. Chique, né. Arrumei um bom dançarino e me acabei na sala. E então começa o espetáculo "Muitas mulheres e um Chico" - uma voz linda e doce recita poemas e canta músicas com nomes de mulheres - Cecilia, Beatriz, Ana, Barbara. Quase um sarau em que todos cantam em coro - Joga pedra na Geni.... - isso começa às 5h e eu já não me agüento em pé (pé machucado por sinal). Arrumo um puf abençoado para me encostar. Acordo com a doce voz, passarinhos cantando. Vou até a varanda e já amanheceu. Fantástico amanhecer na Paulista com jardim de rosas e passarinhos cantando. O espetáculo acaba e alguém toca violino na varanda, um grupo violão e voz no quarto. E tomo café caprichado e gratuito na edicula. Depois de 13 horas de Virada, virei um trapo.
------------------------------------------------------------------------------------

Espero que a confusão no show dos Racionais não faça a Prefeitura desistir de eventos como esse, mas melhora-los. A cidade precisa enfrentar o medo, precisa sair as ruas, respirar e matar a sede de cultura, ser democratica, ser livre. A civilidade só virá com tentativas. E convenhamos, respeito muitíssimo Racionais e gosto de suas músicas, mas juntar polícia e o público revoltado do rap é como juntar palha seca e fósforo. A confusão era esperada. E a polícia precisa rever seus conceitos - uma coisa é gás de "efeito moral", outra coisa é atirar fogo, mesmo que seja pra cima.

3 comentários:

Francine Barbosa disse...

Oi linda!
Depois do Nação eu fui pra Vieira de Carvalho, música cubana e samba até de manhã :)

Espero que além do tumulto não impedir outros shows na Sé (o verdadeiro cartão postal de Sampa, que mané Paulista o que...), também não justifique a segregação dos shows de rap na periferia. O maior mérito da Virada são TODOS ocupando a cidade. A classe média não gostou dos "manos" presentes ali, deu pra perceber no show do Nação duas classes se estranhando (bizarro isso...)

No domingo aquela histeria toda nos jornais e no fantástico, como se confronto entre jovens excluídos e polícia não ocorre-se em todo lugar do mundo a toda hora (lembra da França ano passado?). Mesmo assim o pessoal lotou o show de encerramento às 18h, lindo...

Chocante MESMO foi a chacina da Zona Norte, sete jovens mortos numa praça... Mas isso quase ninguém notou... Jovem de periferia só vira manchete dois dias seguidos quando incomoda a classe média, e a morte de 7 deles não parece que não incomodou ninguém.

Anônimo disse...

A Virada é uma idéia muito bacana, um enorme sucesso, um evento lindo...

E concordo contigo: é uma pena que meia dúzia de vândalos tenham manchado a edição deste ano.

E o show dos Racionais - que também respeito - foi mesmo mal planejado.

Beijo

Lena Dib disse...

Pior que Paulista Fran - agora tudo anda migrando pra Brooklin - eita lugarzinho feio, dificil, fedido e desumano.
Tb sou mais o Centro que a Paulista, mas a Casa das Rosas tava uma delícia, não posso negar, era mais intimista.

Qto ao Racionais - vc está certíssima. Preciso rever meus conceitos. Mas, eles deram mancada, foram os únicos que atrasaram.