sexta-feira, 1 de junho de 2007

O mundo é líquido

Idalina Candida, minha avó, um dia parou de brincar na terra e casou-se aos 13 anos. Ela não conhecia meu avô Antonio Rodrigues, mas era um moço trabalhador e seu padrasto escolheu por ela.

Juntos tiveram 4 filhos: José, Isaura, Antonio e Dirceu, o caçula temporão que chamo de pai. A família era nômade. Morava onde houvesse colheita, por isso, as crianças nunca puderam estudar. Nos anos 60, os três filhos mais velhos se casaram. Isaura e Antonio mudaram-se para São Paulo. E meus avós decidiram seguir a ninhada, já que a cidade em que estavam morando desapareceu do mapa depois que a fazenda de café faliu.

Meu pai por ser caçula é o filho mais urbano da família e com melhor vida. Foi o único que estudou, o primeiro a comprar um carro, casou-se tarde e foi morar em um apartamento no Centro da cidade.

Minha avó continuou fincada a terra. Apesar de tê-la conhecido até meus 20 anos, eu e minha avó nunca conseguimos nos aproximar muito. Éramos muito diferente. Ela era quieta, sizuda, analfabeta, adorava plantas e odiava me visitar. Eu era a única neta que morava em apartamento. Uma prisão para ela. Meu pai conta que eu tenho primas do interior do Paraná (que eu nunca vi) que pegavam rãs com a unha e que criavam porcos em casa. Eu nunca vi nem rã, nem porco a não ser em formato de pernil ou presunto.

Isso é praticamente tudo o que sei de minha avó, que parecia só rir para o meu pai, o filho favorito. Mas de tudo que já ouvi sobre ela, sei que ela era uma mulher sólida, com mãos ásperas, e que viveu até os 90 anos, cuidando de seu jardim de Hortências.(eu achava a casa da minha avó feia, por tanta simplicidade e hoje, me pergunto, como uma casa que tem um jardim de Hortências pode ser feia).

Tudo era sólido em dona Idalina. Ela nasceu sabendo que ora se planta, ora se colhe. Sabia que ia se casar com um homem escolhido e que viveria com ele para sempre. Sabia que atitutes iria tomar, por ser religiosa. Só conheceu um homem, e feliz ou não, jamais pensou em deixá-lo. Conheceu muitos lugares, mas só um jeito de viver.

Para mim tudo é líquido. Não sei com quem vou me casar, nem sei se vou me casar. Não sei com o que vou trabalhar e se vou conseguir trabalhar. Nem sei se Deus existe, muito menos se sou temente a ele. Tenho a ilusão de uma felicidade constante, capaz de me afastar de alguém que não me faça feliz por um momento. Minha avó teve Antonio ao seu lado até a morte os separar, na alegria, mas muito mais na tristeza.

Não sei qual de nós está certa, ou será mais feliz. Só sei que minha avó teve uma vida sólida, com atitudes sólidas, palavras raras e categóricas. E em mim, tudo é flexível e incerto. Meu mundo é líquido.

Faltou eu perguntar para ela...Vó você já foi feliz?

8 comentários:

Anônimo disse...

Viva a fluidez e a flexibilidade! E mais: viva a incerteza!

Francine Barbosa disse...

Já te disse, mas só p/ deixar registrado: lindo texto :)

Falando nisso, espero que vá para o Rio líquida, líquida...

bjos

Anônimo disse...

Brigadão por mandar as boas energias, viu? Adorei!

Beijo

Bruno disse...

Ai, que texto bom, dá até gosto! Eu tive uma avó líquida como você é, mas com uma biografia parecida com a da sua vó sólida. Curioso, né? Um dia te conto como você pode vir a ser!

Bejo

Anônimo disse...

Belo texto. No, entanto me dá uma tristeza...
Acho que se preocupar com a felicidade traz mais ansiedade, incerteza e insatisfação. Acho que a gente é feliz quando está inconsciente disso.


Beijo

Alexandre Cobra disse...

Por mais desesperador possa parecer o 'ser liquido' isso é melhor que 'ser solido'.

Um rio pode ser represado, mas jamais pode ser 'parado'. Sua fonte pode secar, mas ele jamais será 'quebrado'.

Na medida das constantes inconstancias mundanas do nosso dia-a-dia o sólido estaciona e quebra...

Já o líquido... Flui...

Alexandre Cobra disse...

Por mais desesperador possa parecer o 'ser liquido' isso é melhor que 'ser solido'.

Um rio pode ser represado, mas jamais pode ser 'parado'. Sua fonte pode secar, mas ele jamais será 'quebrado'.

Na medida das constantes inconstancias mundanas do nosso dia-a-dia o sólido estaciona e quebra...

Já o líquido... Flui...

Bel disse...

Uhmm, penso muito nisso. Devia ser mais fácil quando as pessoas não tinham opção... Fazer escolhas é cansativo e o pior, te deixa para sempre com o peso da responsabilidade... Você ia gostar de um livro chamado "Amor Líquido", que fala sobre essa coisa de ser tudo tão fulgaz :s
bjs, Bel