segunda-feira, 30 de setembro de 2013

No mundo da Lua


Dormi com um olho fechado e outro no relógio para não perder o horário. Tinha uma consulta marcada pela manhã e esperei mais de um mês para conseguir um espaço na disputada agenda. E bem, eu sempre perco o horário.

Vesti-me rápido, nem tomei café e chamei o táxi. O aplicativo indica dois minutos, mas o taxista leva dez. Humpf. O taxista faz um caminho péssimo. Trânsito. Me irrito. Embora, saiba que a culpa não é do taxista, mas minha. Eu que não indiquei o melhor caminho e que sempre estou atrasada. Será que eu peguei o endereço correto? Sou a melhor do mundo em anotar o endereço errado. Chegamos. Vou pagar o táxi. Abro a bolsa e...esqueci a carteira! Só isso. Esqueci a carteira! Não tenho como pagar o táxi, não posso entrar no prédio do consultório do médico, porque sequer estou com meu documento, sem falar da carteirinha do convênio. E ainda tem o taxista, ali na minha frente, que não me fará a corrida de graça. Peço para o taxista me levar de volta para casa e perco a consulta, além de gastar o dobro à toa. 

Uma semana depois, o dr. Pablo me atende. Ninguém vai ao neurologista por rotina. O que te trouxe aqui? Doutor, acho que eu sofro de DDA – Distúrbio de Deficit de Atenção (que só há pouco descobri que é diferente de TDAH - a tal Hiperatividade). 

Mostro um formulário dado por minha terapeuta, a primeira pessoa a notar. Apresento sete dentre nove sintomas que diagnosticam o transtorno. Sinal vermelho. Como se fosse preciso aquele papel. Contasse ao doutor a saga que foi para mim chegar ao consultório a menos de 10 km da minha casa, sem me atrasar, sem perder nada dessa vez, ele entenderia. Talvez só ele e ninguém mais compreendesse, que por mais que eu tivesse tentado muito, e quisesse tanto estar ali para resolver esse problema logo, eu não consigo sair do Mundo da Lua.

As coisas que são automáticas e simples para 96% da população não são, nem nunca foram, naturais para mim. Por mais que eu tivesse consideração, preocupação, vontade, as vezes as coisas não funcionam. Eu seria capaz de perder minha única chance de encontrar o Brad Pitt ou Rodrigo Santoro, por algo que sequer consigo explicar.

Naquela semana, ainda esqueci minha bolsa e voltei para busca-la depois de 10 minutos. Só neste ano, perdi o celular duas vezes, além de um cartão de crédito, reuniões de trabalho (logo eu tão workaholic), aulas do curso que eu adorava, consultas médicas, horário do trem para Barcelona, prazos para pagar contas, horário para encontrar os amigos e namorado, e a chave do locker no hotel. Mesmo tendo memória de freak show para lembrar histórias, detalhes, nomes e fisionomias; mesmo decorando tabuada e capitais desde os seis anos, e armazenando todas as informações sobre a empresa, os livros, as histórias de amigos e amigos de amigos, sou capaz de esquecer essas coisas banais. 
  
Veja, doutor, não é como a música dos Mutantes “Ando meio desligado”, que os amigos sempre disseram ser a minha música. Nem é paixão, como os familiares sempre brincaram (e eu detestava ouvir isso durante a pré adolescência). O problema é que eu não “Tenho andado distraído” – é uma constante, e mais forte do que eu. Pode ainda parecer desculpa, mas para mim, o diagnóstico do doutor Pablo soou como um alívio. É bom saber que não precisa ser assim e que não é, nem nunca foi, falta de esforço.

Para saber mais: Espaço Aberto Saúde - Globo News
Entrevista com psiquiatra Paulo Matos sobre DDA e TDAH

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