sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Perfeição


Camila desligou o telefone, apática. Alinhou-o com o porta-guardanapos sobre a mesa e avisou que eles vinham mesmo. Era apenas um convite educado, mas haviam aceitado. Chegavam em vinte minutos. Silêncio instalado. “Se vocês não gostam deles, porque convidaram?”, indaguei inocente. “Não é isso. Não é que a gente não goste deles. A gente adora os dois e o problema é esse: não há ninguém que desgoste daqueles lá. Eles são perfeitos”. Suspiro coletivo.

Eram bonitos, ambos. E não havia intervenção do homem ali. Não eram neuróticos por academia e termogênicos, acordavam assim, lindos, todas as manhãs desde que nasceram e ponto. Ana fazia lá uma ioga duas vezes por semana só para relaxar. Não se submetia a regime, nunca precisou. Dante só fazia caminhadas com o cachorro educadíssimo na pracinha do bairro nobre onde moravam.

Tentei consolar a roda, acusando o casal de futilidade. Ledo engano. Haviam estudado nas melhores universidades, falavam de livros que ninguém tinha lido, sabiam conjugar verbos, eram profissionais requisitados e bem pagos em suas carreiras e ainda encontravam tempo para ajudar ONGs, falavam mais de um idioma, eram espiritualizados, comiam arroz integral sem fazer cara feia.

Não havia como desmoralizá-los, perfeitos e fim. Vestiam-se bem, não ficavam sem grana, não perdiam a hora, nem a paciência. Não eram estéreis, nem frígidos, nem arrogantes, nem mesquinhos, não furavam fila. Não havia um tique, uma mania que fosse, um fio fora do lugar. Não eram chatos, pelo contrario, muito bem-humorados. Desfiavam piada cult, de humor negro, anedota ídiche, até causos de beira de estrada. Não podiam ser humanos, gente. Uma graça!

Por fim, chegaram. Perfeitos. Seria compreensível que ambos fossem tão prendados separados, mas juntarem as perfeições parecia ofensa grave. Vê-los desfilando juntos realmente feria o brio alheio. Sua simetria evidenciava nossa vasta variedade de imperfeições. Éramos vasos tortos, expostos, todos enfileirados. Os dois, portanto, carregavam o defeito humano mais grave: eram inacessíveis, inalcançáveis e caros, na prateleira acima. A perfeição é mesmo um dom solitário. Ponto nosso que temos companhia constante para a imperfeição.

Texto que o querido e talentoso Diego Engenho escreveu inspirado em mim e no Magrelo - e bem, não somos o casal perfeito, mas ao menos não somos um casal solitário. 

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