terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

O lugar nobre da casa

A mesa da sala de jantar de mais de 50 anos, herança da família de mamãe, definhou devido a peste dos cupins. Depois do velório do móvel, minha mãe foi bater perna atrás de outra mobilia. Comprou uma mesa de seis lugares, com mármore branco, cadeiras estofadas que combinariam com o restante da sala. Meu pai retrucou inutilmente que preferia um bar para o local.
Meu tio comprou um quadro de uma praia, bonito e com moldura grossa para compor a sala. Ficou linda. Era o lugar nobre da casa.

Tempo depois, minha mãe foi demitida após 20 anos na mesma empresa. A primeira coisa que fez com o fundo de garantia foi comprar o seu sonho, uma coleção de cristais: copos, vaso, bomboniere, fruteira. Tudo para a sala de jantar. Guardou tudo em plástico bolha e nunca usamos seu sonho. Ela diz que é para ocasiões especiais, que tem medo que os cristais quebrem.

A mesa de jantar foi usada poucas vezes, só quando vem visitas de almoços importantes. Aí os amigos chegam beliscam alguma coisa, conversam friamente e depois vão até a mesa saborear o almoço farto que minha mãe preparou com tanto capricho. A boca cheia de tantas delicias deixa todos calados. A nobreza da sala de jantar deixa todos formais e sem graça ao escolher o lugar na mesa.

Mas, quando o convidado é realmente especial, aquele amigo de longa data, que a gente adora receber, mamãe o chama depois do almoço para ir a cozinha. Aí ficam horas papeando enquanto lavam a louça e se enchem de café e do resto da sobremesa em pratos de vidro ou plástico. Na cozinha, o convidado já não é o rei, mas alguém de casa que abre a geladeira sem cerimônias. Esse sim é o convidado especial, em que está no lugar mais nobre e gostoso da minha casa, reservado para poucos.

2 comentários:

Alexandre Cobra disse...

realmente a cozinha é o ponto de sustentação de uma casa!

Francine Barbosa disse...

Minha cronista favorita!

Amo-te