terça-feira, 19 de outubro de 2010

É proibido ficar triste

A felicidade tornou-se uma obrigação. Claro que Vinícius de Moraes tem razão e é muito melhor ser alegre do que ser triste. Mas ele também sabia que para fazer um samba com beleza era preciso um bocado de tristeza. Para todo mundo, a vida tem um pouco de alegria, e um pouco de tristeza. É impossível eliminar conflitos, dores de cotovelos, doenças e mortes. Em algum momento, alguma dessas dores irá te pegar e você terá de encarar.

O que me assusta é que a felicidade é tão vendida na capa da Caras, em propagandas de margarinas, época de Natal, em livros de auto-ajuda, que não nos permitimos estar momentaneamente tristes. É quase uma prisão da felicidade, em que a vida tem que ser uma festa. Passamos a vida todo como se fossemos aquele anfitrião de uma festa fiasco em que o Amaury Jr está presente. Não há clima, descontração, alegria, mas as câmeras estão ligadas e então, o anfitrião finge tristemente animação e sucesso sem enganar nenhum telespectador. Tudo porque há uma pressão para que a festa seja um carnaval de alegria que torna aquele anfitrião, que até poderia ter algum motivo para comemorar, ficar triste. 

Não adianta fugir. A tristeza chega pra qualquer um e quando ela bater na porta essa obrigação de sermos felizes faz de nós ainda mais despreparados para lidar com ela. Viramos excessivamente ansiosos e não conseguimos esperar que ela vá embora. Daí, são duas dores: a dor de fato, e a dor por sentir dor. Então diagnosticamos por nós mesmo: depressão. Corremos para psicólogos, psiquiatras, ou terapias holísticas na esperança que exista uma solução simples e imediata como uma pilula, gotas de floral ou minutos de sabedoria que façam aquela tristeza desaparecer como em passe de mágica.

Mas a vida não é mágica, tampouco fórmulas. Tristeza vai, tristeza vem, e a gente tem que aprender a conviver com ela, quem sabe até aprender a partir dela. Não adianta joga-la pra debaixo do tapete, nem lutar boxe ou correr 15 km diários só pra que as dores musculares sobreponham as dores da alma. Admitir tristeza e feridas é corajoso e deve ajudar a cicatriza-las – esse é o principio do divã. Mas a obrigação de ficar bem na foto, pra todos, o tempo todo, só deve estar nos tornando dependente de antidepressivos, rasos e cínicos. Deixa a mascara cair. Se a gente soubesse que nosso colega de baia também tem o coração partido, talvez achássemos que o nosso é só mais um coração partido e que se essa dor passou ali e logo passa aqui também. Porque como diria minha sábia mãe, não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe.
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E por essas que admiro ainda mais o quadrinista Laerte. Ele é o homem que criou Deus! E também Hugo, Piratas do Tietê, entre outros. Suas dores passaram a fazer parte de seus quadrinhos, que perderam o humor e tornaram-se mais filosóficas, melancólicas e até obscuras nesses últimos anos. Laerte deu essa corajosa e sincera entrevista a Bravo, que vale muito a pena ser lida.

2 comentários:

Bel disse...

Oi, Mi, tudo bem?
Puxa, você tirou as palavras da minha boca. Eu penso muito nisto, nesta obrigação que temos hoje em dia em sermos felizes. E penso também sobre atitudes que tomamos somente para passarmos aos outros esta idéia de felicidade. De fato, acredito que hoje é mais importante parecer feliz do que se sentir feliz. Talvez aqueles que aparentem se felizes acabem o sendo através do olhar do outro... mas eu não acredito e não quero isto prá mim. Porém prá muita gente a fórmula funciona. Ou parece funcionar.
Beijão prá vc! Bel

Bel disse...

Esqueci de mencionar os olhares tortos que recebemos quando não estamos tão felizes... tristeza incomoda.Bjo.